quinta-feira, novembro 8


E me mostrava as estrelas, lembra de apontar pras estrelas?

- Olha aquela ali, bem ali, consegue ver?
- Consigo.
- ela brilha e brilha, mais e mais no meio da multidão de outras estrelas, é incrível.
- É...

A gente nunca olhava pra mesma.

quinta-feira, novembro 1

E assim foi...




-Nas histórias que ouvia novembro sempre trazia algo de mágico.

- Nas histórias que eu ouvia dezembro sempre trouxe presentes. Você não está confundindo as coisas?

Ele continuava fazendo as malas, ela olhava pela janela cada vez mais triste e não respondeu, e não esperava que ele repetisse a pergunta na sua pressa de ir embora dali.

-Não.

-Você viu onde coloquei aquela blusa azul? Não consigo achar em nenhum lugar.

-São todas iguais.

-Eu não consigo encontrá-la. Me ajuda?

Ajudo, pensou enquanto se colocava a remexer os cabides, a tirar tudo das gavetas entulhadas, ajudo, mas não quero que você vá. Fica por favor?

-Ouvi que em novembro o vento sopra mais forte, leva embora todos os males e agouros do ano, traz coisas novas...

-Onde a merda da blusa se enfiou? Será que ficou na lavanderia? Mas todo esse tempo? Há semanas eu não mando roupas pra lavar!

-Eu fico tentando imaginar as boas novas que novembro pode me trazer- disse procurando debaixo da cama.

-Talvez se você parasse de falar, novembro pudesse trazer minha blusa de volta.

-Engraçado como a gente só se lembra de algumas coisas quando vai embora.

-O quê?

-Nada.

-Repete o que você disse.

-Nada.

Saiu do quarto tentando encontrá-la em outros cômodos, outras gavetas, sempre achava algo inusitado na estante de livros, como cigarros sendo que nunca fumava, ou um par de brincos, sendo que nunca levava mulheres ao apartamento. Pérolas.

Ela ficou. Sentada no chão amarrando os cabelos revoltos, arranhando a cera do piso com os dedos, esperando que ele voltasse como sempre voltava, sentindo-se esquecida como sempre sentia. Riu para as paredes amarelas desgastadas pelo tempo, “como sentirei falta”, riu da procura inútil por uma blusa jogada fora há tanto tempo, vítima de um sorvete de chocolate e uma máquina de lavar quebrada, a sua máquina de lavar. Tentou não chorar ao se lembrar dos dois rindo dos farrapos que ela se tornara, das tentativas de encontrar algo seu que lhe coubesse, era como vestir um elefante com roupas de boneca, palavras dele.

Encontrou-a perdida em pensamentos que ele não conseguia decifrar, e esqueceu pela última vez, de lhe falar como ficava misteriosa daquele jeito, quase intocável. Gostaria de poder pintá-la um dia, pedia a Deus o dom pra isso, mas dela, só teria a imagem e todos os seus detalhes guardados com cuidado e carinho na memória.

-Nada, devo ter perdido.

-Perdeu.

-Não ficava muito bem em mim mesmo, ficava?

-Lindíssimo. – respondeu se levantando com um salto. Estava sempre bonito, mesmo quando mal vestido, mesmo quando não vestido. Até quando acordava era bonito, o diabo.

-Mesmo assim, gosto mais da branca. Ou da preta, a verde é bonita também.

-Ou todas as outras azuis.

-Azul não, me lembra algo que perdi. Quer comer alguma coisa?

-Sempre.

Saiu correndo do apartamento, ele fechando a porta logo atrás como se de repente o ar lá dentro tivesse sumido, como de fato tinha acontecido. Deixemos que isso só tenha ocorrido na imaginação dos dois.

Ela desceu as escadas levando as mãos aos bolsos, procurando inutilmente o cigarro que nunca mais levava desde que tinha esquecido o último maço na prateleira dele, como tinha esquecido tantas outras coisas na esperança de que ele usasse como desculpa a devolução para ir lhe ver.

Ele ficou olhando o vestido tão azul quanto sua blusa um dia fora, dançar ao redor dela, enquanto pulava as escadas com impaciência que lhe era peculiar, querendo não ir, que ficassem ali pra sempre, ela lhe sorrindo triste e ele observando sereno.

Meu Deus, como sentiriam saudade. E foram. O vento de novembro soprando forte fazendo que ela se firmasse nele, e os levando embora um do outro.