terça-feira, julho 12


Não eram iguais e nunca seriam se não fosse o destino. É ele que lhe coloca sentada ao lado de um desconhecido em uma sala de aula lotada, não é?

A ligação ocorreu antes que se desse conta. Antes de perceber que o amava, já amava com todo o seu ser e alma, o coração já era dele sem que lhe tivessem tirado do peito.

E depois, entre matemática e história, entre férias e a monotonia das aulas, entre certezas e esperanças, já com o coração nas mãos dele, foi que a amizade começou. Tão cuidadosa em não deixar que lhe ferissem, se colocou inteiramente a disposição do agora amigo, como ele também se entendeu como banquete em mesa requintada para ela, apesar de tantos espinhos.

E vieram as igualdades, os pensamentos em comum construídos por areia que não se sabe como, se tornaram inquebráveis como diamantes, e se já lhe dera o coração, agora dava os ombros quando ele precisava, as mãos quando a travessia era difícil, as pernas quando as dele não agüentavam a estrada.

E recebia tudo de volta, de mansinho, quase imperceptível, porque demorou pra ela perceber que a indiferença na verdade era medo, e que tudo que ele lhe dava, era tudo que tinha, e era suficiente. Nada vinha enfeitado com fitas ou miçangas, era somente verdade, pele, ossos e músculos em suas mãos. Nada era colocado em papel de presente, e mesmo assim vinha com surpresa, com sorriso, provocava tanta alegria...

domingo, julho 10

De como as amizades terminam.

Colocou tudo numa caixa. Várias caixas. A mais próxima da porta contendo boas lembranças era a que mais urgentemente deveria ser despachada. Nas mãos, revirava as mágoas tentando encontrar algum sentido para aquelas farpas tortas. Nunca tinham ficado bem na sua parede. Fez questão de esquecer alguns conselhos no fundo do armário, aquele sobre o amor, colocou atrás do vidro de perfume na prateleira. Ainda não tinha coragem suficiente pra abrir as gavetas que continham as declarações de afeto. A de abraços já tinha certeza que nunca mais conseguiria abrir, ficariam ali, guardados pra sempre com a capa plástica pra que não empoeirassem. Olhando o quarto revirado, os quadros jogados de qualquer jeito em um canto, bolos de saudade entulhando a velha lixeira, voltou a pensar como se terminava uma amizade. Termina-se uma amizade? Acreditava que alguns bons laços nunca se desfaziam, aquele, porém, parecia ter sido amarrado de qualquer jeito.

Calma tarde de outono a que se viu diante de um espelho repleto de rachaduras. Em cada pequenino pedaço, refletia-se sua forma distorcida de diferentes maneiras fazendo com que se perguntasse se alguma daquelas figuras seria ela. Realmente.

Naquela tarde quente, perdida como sempre em suas ilusões e pensamentos tão fantasiosos que a assustavam quando era sobressaltada pra realidade, ela viu de longe uma chance de paz.

Vinha gesticulando e falando alto, as pessoas se afastavam amedrontadas, atraía olhares curiosos, tinha a roupa em farrapos e quando chegou mais perto, os olhos mais verdes que ela já tinha visto. Lindos transbordando esperança, uma cicatriz acima do olho direito de coragem e uma respiração ofegante de desejo de viver.

Durante os dois segundos que aqueles olhos se esqueceram sobre os tímidos castanhos da moça, ela sentiu o coração parar. Um zumbido apaixonado preencheu seus ouvidos e tudo ao redor que antes era concreto se desmanchou em cores sombrias.

Quando a chuva embaçou o vidro da janela e ela viu seu reflexo distorcido torcendo as mãos, tinha uma dureza nos lábios, um gelo nos olhos e não reconheceu a mulher que a encarava.

Enquanto a chuva martelava incessantemente no telhado, enquanto lá fora um homem corria procurando abrigo, ela desejava uma calçada suja onde pudesse esbarrar em milhares de olhos verdes, desejava ver um sorriso zombeteiro em cada esquina que virasse, e a paixão avassaladora que sentira uma vez, dominar novamente seu coração.

Fazia café, recolhia copos, pratos na pia, documentos no chão, pilhas de papel na mesa. Barulho de saltos, sandálias jogadas no canto, romance aberto em cima do sofá. O cachorro mastigava a cortina, os canários dormiam recolhidos debaixo de suas próprias asas e a moça, que se tivesse nome seria Ana, continuava a olhar a rua pela janela já não embaçada. As gotas escorriam transformando o vidro em fragmentos, em cada uma, uma mulher diferente se mostrava. Não havia distorção, todas eram ela, mesmo quando nenhuma realmente Ana mostrava.