sábado, outubro 31

A menina triste - uma história de mim mesma

Desde que me entendo por gente eu inventava ser outras pessoas, situações e sonhos que eram mais realidade que sonhos. Achava que estava tudo ok em fugir do que eu realmente era e criar universos alternativos onde eu fosse mais legal, bonita, extrovertida e reconhecida. Era meu mundo próprio de ser várias e conversar sozinha com as outras várias pessoas com quem eu não tinha coragem de trocar uma palavra no mundo real. Na fantasia eram todas minhas amigas e eu era especial.

A verdade é que sempre fui muito sozinha e ainda sou, a diferença é que com o tempo eu parei de conversar com quem eu queria ser e comecei a prestar mais atenção em quem sou de verdade. O primeiro impacto dessa perspectiva real não foi muito bom. Primeiramente porque se algum dia eu quisesse ser parecida com os desejos de sucesso que eu imaginava, teria que conversar e eu nunca fui muito boa nisso. Se me dessem uma folha em branco eu poderia criar universos inteiros. Se me dessem um histórico de quem eu realmente sou eu travava, às vezes ainda travo.

Tudo isso acontece porque a fantasia na maioria  das vezes não pode virar realidade, eu não poderia me transformar em outra pessoa, acordar com outra cara e outro temperamento, quando eu acordei tive que lidar com o impacto de ser eu. Isso aconteceu depois da morte do meu avô, que coincidiu com o final do ensino médio e todo um horizonte de possibilidades na minha frente. Existia então uma pressão criada por mim mesma de descobrir o que eu viria a ser, que profissão seguiria, que escolhas tomaria e eu achava tudo tão difícil e  ao mesmo tão ilimitado que passei, mesmo que inconscientemente, a adiar o futuro. As horas continuavam a correr pelo relógio, a terra fazia sua rota ao redor do sol sem nem reparar que eu havia parado. O mundo continuou mas eu não.

Como era tudo muito vazio, eu comecei me achar muito incompetente para me preencher e pior ainda para ser útil para os outros. Foi quando surgiu uma depressão muito severa em que a melhor saída parecia ser deixar de existir. Eu que antes queria ser várias de repente não queria ser mais nada porque a conclusão fática era que meu corpo e o que eu passava para as pessoas eram um tormento. Comecei uma faculdade de direito em 2010 que até hoje não terminei porque me apavora demais o que irá acontecer depois dela. Passo pelas coisas, pelas pessoas e pelos dias existindo sem tentar viver.

A primeira vez que tive um apagão  não lembro nem do que aconteceu depois que acordei, só sei que deixou minha família assustada suficientemente para procurar um psiquiatra e desde então comecei a vagar de um profissional para outro que me enche de remédios e a ocasionalmente tentar "desesistir". Teve uma época que as pessoas do hospital já sabiam quem eu era e eu podia falar até quem eram os enfermeiros de plantão, e apesar de tudo, de ter parado de viver, eu percebi que as pessoas que me amavam não aceitavam me perder, mesmo não valendo nada.

Então ao invés de continuar parada eu tentei procurar um propósito que ainda não encontrei, mas sei que esttá por aí. Percebi também que eu valia muito para quem estava por perto e me conhecia de verdade, e que além de me amar incondicionalmente elas me admiravam pelo que eu conseguia passar quando estava acordada o suficiente para viver. Não posso falar que me transformei ou ressurgi, eu ainda estou chafurdando as cinzas e a depressão é uma visita que não vai embora fácil, mas eu descobri que olhando pela ótica quem nos ama, percebemos como nossa vida é valiosa e bonita e que pode ser boas se a gente tentar de verdade.

Também não posso dizer que comecei a tentar, eu faço tentativas de tentar mas o sono ainda é mais forte, talvez existam receitas e orações para levantar dos "mortos" que não seja na forma de um zumbi que só faz o caminho cozinha-cama-banheiro-cama, eu não conheço nenhuma, mas sei que existem, e que um dia vou conhecer ou inventar.

Outra coisa que eu descobri é que tudo que habita essa terra é importante demais. Tudo, todos, plantas, pessoas, carros e cachorros, tudo é fruto de uma força tão poderosa que nos impeliu a viver e sentir, talvez os únicos seres conscientes de que sentem em quilômetros luz de distância. Não acho que seja uma coincidência, acho que é uma benção e sou feliz e agradecida por fazer parte disso.

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