quinta-feira, novembro 12

Ler - pensar - refletir - pesquisar - opinar

Acho que nunca se escreveu tanto como na atualidade, dos anos 2000 - 2015 (será que  esse texto vai ficar perdido vagando pelo universo internético e um dia ser lido no futuro? Enfim, minha atualidade é essa aí), mas por outro lado nunca se soube tão pouco. Veja só, nós temos o mundo a poucos cliques de distância, sério, ele tá ali, lugares, pessoas, conceitos, culturas, pesquisando bem se acha, constrói-se, aumenta-se os horizontes que temos como pessoas, mas na maioria das vezes, na maçante maioria das vezes, isso não acontece, é o paradoxo definidor de nosso tempo: quanto mais informação se tem, e acesso à elas, de inúmeros pontos de vista, mais o ser humano se limita, mesmo! Não sei bem quando isso começou, mas em algum momento a velocidade com que as informações chegam se misturou com a velocidade de raciocinar! Refletir então, palavra quase em desuso. 

Nós passamos pelas notícias, passeamos por uma mar de vitrines e produtos, engolimos conceitos sem mastigar, tudo automático, robótico que transforma as pessoas em uma massa que desistiu de usar as sinapses para aquela atividade fundamental que nos difere do resto de todos os outros animais: a de ter consciência, de decidir o que se quer ser, se vai ou se fica, se 2+2 ou ler Machado. Os pensamentos da massa têm a mesma intensidade e velocidade de um dado jogado na rede, se você piscar perde de vista. 

O que passamos a enxergar é uma repetição, um padrão de comportamento que não mais vive, se apressa, não reflete, opina sem ao menos saber sobre o que anda falando, e que parece ter esquecido de argumentar. É que o tempo virtual também transformou a todos em trolls monumentais, gigantescos monstros saídos dos mais terríveis contos de fadas protegidos pela capa de invisibilidade que a tecnologia proporciona. É uma guerra diária de violência verbal, mesmo que mal conjugada, de trogloditas destemidos e ferozes disseminando ódio através de ideias que nem deles são, baseadas em ideais antigos que mesmo em desconformidade com a sociedade em que vivemos, um dia teve uma base teórica sólida da qual os monstros digitais aproveitam a poeira, porque na velocidade da vida não se tem tempo de ler, só de passar os olhos e ligar a metralhadora: PÁ viado, PÁ abortista PÁ puta, PÁ socialista, PÁ corrupto, PÁ crente sem vergonha, PÁ favelado, PÁ preta vadia e tantos outros tiros. 

Se houvesse um blackout mundial, se todas as redes saíssem do ar, o que você teria pra contar depois de passado o pânico inicial? Quantos livros teria lido? Quanto teria produzido de bom? Quantos amigos reais teria? Pergunto-me muito sobre a possibilidade, a estranha possibilidade, de um dia sermos obrigados a ter contato direto uns com os outros de novo, sem uma tela nos separando. Um dia eu sonhei que isso acontecia, mas eu havia esquecido como falar. Foi amedrontador, e a sensação ruim não passou depois de acordar e perceber que no andar veloz que o tempo vai, um pesadelo ruim pode vir a ser realidade.

quarta-feira, novembro 4

As coisas mais bonitas do mundo

- Qual é o seu sonho? 

Os olhinhos pequeninos estavam iluminados de expectativa e ela esfregava a sola do pé direito no piso de madeira, sentindo o contato da cera na pele dos dedos. 

-Humm... Meu sonho? 

- É papai! O sonho! mas o maior sonho, o sonhão! - ela segurou uma das mãos grandes e ásperas entre as suas pequeninas e suaves, de quem não as tinha utilizado muito ainda na vida. 

- Posso contar o meu? - sussurrou baixinho - você não conta pra ninguém? Promete?

- Prometo - disse o pai estendendo o dedo mindinho para o pacto sobrenatural.

-Quero ver as coisas mais bonitas do mundo! Do mundo todinho!

E ela abriu os bracinhos abarcando o mundo e de repente ele coube todinho dentro do abraço dela, e o pai sorriu o sorriso que só reservava pra filha, aquele que transbordava de amor e rodopiou com ela pela sala, a felicidade enchendo o ambiente em gritinhos de alegria até pararem em frente um espelho meio embaçado, que costumava refletir as bebidas em ângulos vários e estava encostado para se ir junto com a mudança.

E a pequenininha se viu olhando para si mesma, toda magrela, o joelho esquerdo ralado, o vestido amarelo amassado e o cabelo desgrenhado de um dos lados do rosto, e viu os joelhos do pai atrás dela, e viu quando ele se agachou e disse "as coisas mais bonitas do mundo estão em você" e viu os olhinhos se encherem de lágrimas mesmo não sabendo que se podia chorar sem estar triste, e mudou de sonho, um sonho secreto que só  ficaria dentro dela, que o papai visse as coisas mais bonitas do mundo para sempre refletidas dentro dela.

Desculpa

Queria te contar de um livro que li, sobre uma passagem em que o narrador vai visitar a sepultura de um parente querido no Japão, e como ele conta ser um costume se desculpar, diante da sepultura, pelo tempo que se ficou sem ir até la.

 Sabia que nunca passou pela minha cabeça de pedir desculpas por não ter ido te visitar? Por não saber como anda a sua, se alguém está colocando flores, sempre achei uma das coisas mais tristes aquelas sepulturas esquecidas com suas flores mortas atestando o descaso.

Você me desculpa? Por não deixar a pedra brilhando, por não colori-la com todas as cores das flores, por não saber se tem poeira acumulada naquela foto pequenina que retrata você? Você me desculpa? Por que eu não me desculpo, pai.

Nós conversamos todos os dias, ninguém me conhece mais que você, mas eu nunca vou saber se ficou triste por eu não ter ido lá todos esses dias, meses, anos... Eu sei que você já deve ter me desculpado, talvez você até não tenha se importado, você pode dizer que a gente já conversa todos os dias e isso é o que importa, mas mesmo que você diga eu não vou ouvir.

Então me sobrou só essa culpa, só essa vergonha doída no fundo do peito, de imaginar alguém passando por você e vendo mais um esquecido, como eu via os túmulos de flores secas.

Desculpa, Desculpa, desculpa.