quinta-feira, junho 23

O dia em que Bila morreu

Bila estava assustada. Os olhinhos escuros brilhavam de medo enquanto encolhia seu corpinho mais e mais dentro da manta que usava.

A velha olhava para ela enquanto inspirava através do cachimbo velho, o fumo fedido que fazia o nariz de Bila arder.

Era uma velha muito velha, quase não tinha cabelos e suas mãos eram crespas e com veias saltadas. Bila não sabia que alguém podia ficar tão velha e tinha medo daquela, um medo que quase lhe tirava o ar enquanto o coraçãozinho explodia dentro do corpo pequenino.

Sua mãe estava do lado da velha, parecia ansiosa mordendo os lábios enquanto os olhos corriam de Bila para a velha e de volta para Bila.

Quando ela terminou de fumar, começou a mascar ervas que Bila não conhecia, mas o cheiro era doce e bom. Ela mascou e depois cuspiu numa cuia onde jogou o resto do fumo e socou junto com o emplastro que havia sido formado.

A velha aproximou-se de Bila. Bila que queria sumir dentro das próprias roupas, tão encolhida contra o próprio corpo que não passava de uma pequena figura. Bila viu que faltavam dentes na boca quase negra da velha, e uma das mãos ásperas segurou-a pelo queixo. Bila quis chorar, as lágrimas começaram a descer pelas bochechinhas rosadas e então a velha havia se distanciado de novo.

Bila estava com medo.

Bila tinha pavor.

Bila sentia o sangue correr frio.

Bila queria correr.

A mãe puxou a pequena paras os braços longos em um abraço apertado, enquanto sussurrava algo que Bila não entendeu. “Mamãe? Mamãe?”  Ela chamava em vão, enquanto o sussurro deu lugar aos soluços de choro. Bila sentiu o medo descer com uma navalha por suas costas.

A velha se aproximou de novo, olhou atentamente nos olhinhos assustados de Bila e lhe concedeu um sorriso desdentado.

Passou o emplastro na testa da menina que soltou um grito, mas ninguém pareceu se importar.
A velha havia tirado uma adaga velha e curva, muito muito mal feita de dentro das vestes. Bila voltou a gritar pela mãe que soluçava e soluçava cada vez mais alto.

Então se encararam. Os olhos dela eram esbranquiçados enquanto os de Bila eram de um escuro perfeito, cheio de brilho. Outro sorriso desdentado.

-Você é especial, menina. Não tenha medo. Você é especial

Então Bila sentiu a adaga entrar por sua pele, pela carne, fria como uma manhã de inverno e então o corpo todo explodiu de dor. Ela quis gritar mas antes que chegasse à garganta o grito, Bila pendeu nos braços da mãe. Bila sem vida. Os olhinhos pretos vazios de brilho pareciam ainda encarar a velha.


-Ela é especial, moça. Precisava ser assim.

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