sábado, outubro 13

Então...

 Então você não voltou pra buscar suas coisas. Confesso que esperei mais do que você teria imaginado, olhando timidamente através das cortinas se você por acaso virasse a esquina, se por acaso parasse no portão mal pintado, se eu ouvisse o trinco girando. Eu havia me preparado, num ritual diário de colocar aquele meu vestido rosa que você tanto odiava, gotinhas de alfazema atrás das orelhas e sandálias de tiras nos pés. Mas você não veio, então no meu armário ainda ficaram suas camisetas de golas puídas, aquela bermuda com a estampa mais horrorosa que poderia ter encontrado naquela lojinha perto do mar, o livro ainda marcado na página que você parou de ler. Como conseguiu deixar uma história inacabada para trás? Logo você?

Joguei a escova de dentes fora e também aquele frasco de desodorante quase no fim. Resolvi recomeçar com uma faxina, aquela correntinha que te dei, aquela que você só usou uma vez estava debaixo do sofá, você não perdeu na casa do Pedro afinal. Também achei algumas notas de cinquenta guardadas para algum propósito dentro de um maço de cigarros. Queimei todas enquanto dançava ao som de “What about love?”. Não poderia ser mais apropriado, não é?

Então para deixar tudo certo, tudo organizado como você sempre me cobrou, separei tudo dentro de um saco de lixo: seus livros, o ipod, as camisetas velhas, as cinzas do dinheiro e até aquele pacote de macarrão que você prometeu fazer pra gente. Está tudo na porta. É isso. Se não vier buscar, o caminhão de lixo passa na quinta. 

É isso.

terça-feira, outubro 9

Histórias para lágrimas de crocodilos.


Você não sabe quão imenso foi o abismo que construí entre nós na vã tentativa de me libertar. Mas pulei. Pularia de novo. E de novo. Sabendo que você estaria em algum momento na queda desvairada, nos entrelaçando pelo espaço do nada e pelas promessas que se quebrariam no chão.

Pra nós, a falta de gravidade. 

Poderíamos meu bem, flutuar por nossas vidas exalando falsas esperanças cheirando a flores mortas, causando inveja nos amantes que desconhecem o desvario da loucura que é minha paixão, presos na tranquilidade do colo sereno do outro...

Pra você eu mostro de novo meus dentes, minhas garras, transformo-me em fera, abro-me em flor. Sou um corpo seu, sua uma alma sua. Sou vendida. O diabo não faz devoluções.

Ah meu amor como seria lindo o dia em que os pés enroscados permanecessem juntos, e que levasse meus dedos à boca, aos beijos, às juras. E te amaria hoje, e te amaria hoje, e hoje e hoje e hoje. Ao acordar do desespero, dos gritos das baladas tirando-me do sonho, ao lado uma fera, não um príncipe, ao lado um monstro com meu coração no peito.

Eu fujo, eu me rasgo, eu sangro, choro, me doo, me perco. Eu volto. Eu pulo, mas dessa vez a queda é rápida. Tão raso, tão áspero, tão verdadeiro e perto.

Então há medo, há amor, há insegurança batendo asas, anuviando meus olhos, enfeitiçando meus sentidos, e eu sempre sou sua, e o espelho me mostra o resto do que já fui e o que agora desconheço.

Eu mudei pra você? Eu mudei por você?

Existe a acidez de uma semente oca que eu queria fazer brotar. Eu amo uma ideia, a família, você me amando. Nos amando.  Mas nos jogamos na esterilidade das pedras atiradas aos arremessos contra a face, contra o corpo, contra o outro. Então eu te machuco, então eu assopro, eu preparo curativo. Acalento.

Quando nós caímos o céu era tão bonito... o suspiro tão profundo, a paixão tão acalentadora.... Eu quero você, eu quero o que acho que quero de você.

Você existe? Existe?

Vejo uma sombra correndo, ela se vira e se vai. Sem resposta.

Só. Dentro. De. Mim.

sexta-feira, outubro 5

Tempo


Escuta o silêncio e tudo que ele deixa de te dizer porque não há mais nada por perto.

Sente o zumbido que não deixa os ouvidos e procura pela ânsia do grito que não vem porque não há ninguém para escutar.

Receba o chute no estômago que revira as mágoas e vomite toda a acidez que pinga da sua boca manchando o chão sujo com sua mesquinhez.

Outra golfada. E mais outra.

Que corra nas veias o veneno com que  matou a esperança dos outros... em você.

Outra golfada.

Dói o ódio espremido contra o crânio de ter a consciência de não ser nada senão medíocre, vivendo a vida borrada com que nunca sonhou.

Onde estão as luzes, os amigos, a beleza, a inteligência? Cadê a música?

Você costumava ouvir os risos, e as vozes, os brindes, os sussurros.

Eu te amo. Eu te amos.

Você  pode olhar agora através da neblina da mentira do sonho pueril de jovem, eternamente na frente...

Não existe nada. Não caminho, não passagem, não mão estendida.

Rostos virados, rotos os vestígios de prodígio.

Vômito.

Outra golfada.

Seu veneno.

Seu destino.