Toda vez que se escreve um texto em que, de alguma forma, o autor traça um paralelo entre suas noções pessoais do que é bom e ruim, ou do que é certo e errado, o leitor que se identifica com as colocações do lado “mauzinho” ataca. E ataca com dizeres que demonstram melhor do que o próprio autor porque existe o lado “mauzinho”.
Veja só, a sociedade nunca foi e nunca será fluida, mas também nunca foi e nunca será seu oposto estático. Ela se movimenta com dificuldade e os padrões costumeiros são extintos ou modificados de acordo com as ações dos indivíduos que formam seu corpo, mesmo que essas ações sejam muitas vezes dar soco em parede. Machuca. Dói. Quem dá o primeiro golpe será indiscutivelmente massacrado e dificilmente encontrará alguém para cuidar de suas feridas. Isso é porque lidamos da forma mais covarde, e aqui posso sim fazer tal colocação abrangente, com aquilo que nos é diferente: nós damos as costas, e se por acaso o diferente insistir em chamar nossa atenção, damos nossos punhos, porque a primeira reação de um ser amedrontado é atacar, ainda que não saiba o que está atacando.
As coisas são assim desde que o mundo é mundo, ou melhor, desde que o ser humano é o ser humano, e por mais que a ciência evolua, o comportamento parece ser muito mais engessado, o que de certa maneira é incoerente já que a evolução é inerente à sobrevivência. Ou talvez ela esteja apenas relacionada ao corpo e nunca ao fluxo de pensamentos, e nunca à alma, de modo que seres “evoluidíssimos” possam construir foguetes e matar outras pessoas por não se reconhecerem nelas ao mesmo tempo.
Só que não me importa a evolução biológica, deixo-a a cargo de quem dela entende, o que me interessa e intriga é o comportamento, e mais do que isso, a grande interrogação que vem junto dele brilhando em neon. O que diabos faz o comportamento, o que diabos É o comportamento e por que ele nos limita e nos transcende e devora e decifra ao mesmo tempo.
Até os dias de hoje dentro do meio em que vivo existe uma barreira ao que não se entende ou não se entende muito bem, mesmo que essas barreiras tenham suas bases em conceitos muitas vezes preconceituosos. Vou dar um exemplo clássico: crianças que porventura tenham algo que as diferencie do “comum”.
Existe um pânico irracional dos adultos de não saber lidar como que não lhes é conhecido. Eu tenho uma prima de seis anos que tem um coleguinha autista. Não o conheço, mas sei que ele está lá nas fotos da turma, nas festinhas, nas brincadeiras e se nunca tivessem falado “olha, um menino autista!” como se um et tivesse se materializado na sala da minha prima eu nunca saberia da sua condição. O curioso é que nem ela sabia, e até hoje ela pouco se importa, não faz diferença para ela, faz diferença para os pais, para a família, para a professora. Eu lembro até hoje como foi dada a “notícia”: vocês sabiam que na turminha de Fulana entrou um menino autista? Pois é, AUTISTA, não sei como vai ser pra professora e pra eles, mas talvez seja algo leve, né?
A família dela nunca procurou saber nada sobre o autismo, nem mesmo o que seria um autismo leve, mas ficou no ar um amargo por saber que uma pessoa “diferente” estava convivendo com os filhinhos normais e perfeitos. Um amargo provocado por uma criança.
Se esse caso é capaz de provocar nas pessoas um instinto de proteção que os deixa pronta para o ataque a essa situação nova, imagine você o que várias pessoas diferentes, crianças ou não, podem provocar.
Imagine uma senhora de oitenta anos que resolve namorar.
Imagine um cadeirante que ame dançar.
Imagine um homem que tenha vontade de casar. Com outro homem. Por amor.
Imagine uma criança que tenha síndrome de down e goste de brincar com outras crianças independentemente do número de cromossomos.
Imagine um negro da favela ser seu colega de faculdade.
Imagine.
Por que quem foge do padrão não pode viver o que você vive? Não machuca, não mata, nem engorda, não impede a felicidade e o prazer de ninguém, então por que a gente acha que tem o poder de impedir a vida de ser vivida?
Quem definiu o que é o certo e o que é o errado além do nosso ponto de vista? Se quem o define são nossas atitudes e escolhas e consequentemente a maneira como enxergamos o mundo, por que não podemos acrescentar no nosso mundo coisas novas e engrandecê-lo, colori-lo?
Por que tornar ruim o que pode ser bom?
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