Hoje quando saía da padaria
carregando o saco de oito pães de cada dia me permiti olhar além do que meus
olhos estão acostumados a ver. Eles pararam, e não poderia ser diferente, em
uma senhora muita velha ou talvez tenha sido apenas o tempo a vida cruel que
lhe deixaram aquelas marcas, muito magra e muito negra, deitada contra o muro
sujo do prédio logo ao lado. Contra seu corpo havia um cobertor de lã de
aparência pesada e áspera que ela agarrava como fosse um escudo contra o frio e
o mundo. Meus olhos, mal acostumados a olhar a miséria que me rodeia todos os
dias, primeiro focaram no vermelho daquele escudo. Era vivo como sangue que sai
de um corte novo. A lã viva contra o corpo magro rodeado por sacolinhas de plásticos
cortou meu coração em pedacinhos e eu não consegui desgrudar meus olhos dela.
Eram olhos mornos, escuros e desacreditados. Ela se permitiu me olhar também,
mas o que pensou da menina bem agasalhada arrastando os tênis surrados no chão
e levando uma sacola de pães eu nunca saberei. Eram olhos desconfiados que não
permitiam a qualquer pessoa saber o que se passava por trás, evidente estava
apenas a miséria. Ofereci um pão com a voz esganiçada pela vergonha de reclamar
de tudo enquanto ela deveria passar todos os dias por ali, mas invisível. Ela
aceitou cordialmente com a cabeça enquanto eu retirava dois e lhe passava. “Pra
mais tarde” eu disse oferecendo dessa vez um sorriso. “Pra mais tarde não moça,
a gente não sabe quando tem mais tarde. ” Desta vez quem me deu um sorriso foi
ela, sorriso despedaçado e frio mas ainda assim um sorriso. Eu não soube mais o
que dizer então me levantei, acenei um até logo e continuei a andar. Ela ainda
gritou um fique com Deus que eu ignorei enquanto pedia a Deus que ficasse com
ela.
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