quarta-feira, maio 21

Como um soco no estômago.

Hoje quando saía da padaria carregando o saco de oito pães de cada dia me permiti olhar além do que meus olhos estão acostumados a ver. Eles pararam, e não poderia ser diferente, em uma senhora muita velha ou talvez tenha sido apenas o tempo a vida cruel que lhe deixaram aquelas marcas, muito magra e muito negra, deitada contra o muro sujo do prédio logo ao lado. Contra seu corpo havia um cobertor de lã de aparência pesada e áspera que ela agarrava como fosse um escudo contra o frio e o mundo. Meus olhos, mal acostumados a olhar a miséria que me rodeia todos os dias, primeiro focaram no vermelho daquele escudo. Era vivo como sangue que sai de um corte novo. A lã viva contra o corpo magro rodeado por sacolinhas de plásticos cortou meu coração em pedacinhos e eu não consegui desgrudar meus olhos dela. Eram olhos mornos, escuros e desacreditados. Ela se permitiu me olhar também, mas o que pensou da menina bem agasalhada arrastando os tênis surrados no chão e levando uma sacola de pães eu nunca saberei. Eram olhos desconfiados que não permitiam a qualquer pessoa saber o que se passava por trás, evidente estava apenas a miséria. Ofereci um pão com a voz esganiçada pela vergonha de reclamar de tudo enquanto ela deveria passar todos os dias por ali, mas invisível. Ela aceitou cordialmente com a cabeça enquanto eu retirava dois e lhe passava. “Pra mais tarde” eu disse oferecendo dessa vez um sorriso. “Pra mais tarde não moça, a gente não sabe quando tem mais tarde. ” Desta vez quem me deu um sorriso foi ela, sorriso despedaçado e frio mas ainda assim um sorriso. Eu não soube mais o que dizer então me levantei, acenei um até logo e continuei a andar. Ela ainda gritou um fique com Deus que eu ignorei enquanto pedia a Deus que ficasse com ela.

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